sexta-feira, dezembro 31, 2004

Realidade

Em ti o meu olhar fez-se alvorada
E a minha voz fez-se gorgeio de ninho...
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho...

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada...
E a minha cabeleireira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho...

Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci...

Tens sido vida fora o meu desejo
E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei... se te perdi...

(Charneca em Flor
Florbela Espanca, 1894-1930, Portugal)

Versos de orgulho

O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém.

Porque o meu Reino fica para além...
Porque trago no olhar os vastos céus
E os oiros e clarões são todos meus!
Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!

O mundo? O que é o mundo, ó meu Amor?
- O jardim dos meus versos todo em flor...
A seara dos teus beijos, pão bendito...

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços...
- São os teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o Infinito.

(Charneca em Flor
Florbela Espanca, 1894-1930, Portugal)

Charneca em flor

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frêmito das coisas dolorosas…
Sob as urzes queimadas nascem rosas…
Nos meus olhos as lágrimas apago…

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E, já não sou, Amor, Soror Saudade…

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!

(Charneca em Flor
Florbela Espanca, 1894-1930, Portugal)

quarta-feira, dezembro 29, 2004

Horas rubras

Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas ...

Oiço as olaias rindo desgrenhadas...
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p'las estradas...

Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras...

Sou chama e neve branca e misteriosa...
e sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!

(Livro de Soror Saudade
Florbela Espanca, 1894-1930, Portugal)

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

(Charneca em Flor
Florbela Espanca, 1894-1930, Portugal)

Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

(Charneca em Flor
Florbela Espanca, 1894-1930, Portugal)

Pombo-correio

Os garotos da Rua Noel Rosa
onde um talo de samba viça no calçamento,
viram o pombo-correio cansado
confuso
aproximar-se em vôo baixo.

Tão baixo voava: mais raso
que os sonhos municipais de cada um.
Seria o Exército em manobras
ou simplesmente
trazia recados de ai! amor
à namorada do tenente em Aldeia Campista?

E voando e baixando entrançou-se
entre folhas e galhos de fícus:
era um papagaio de papel,
estrelinha presa, suspiro
metade ainda no peito, outra metade
no ar.

Antes que o ferissem,
pois o carinho dos pequenos ainda é mais desastrado
que o dos homens
e o dos homens costuma ser mortal
uma senhora o salva
tomando-o no berço das mãos
e brandamente alisa-lhe
a medrosa plumagem azulcinza
cinza de fundos neutros de Mondrian
azul de abril pensando maio.

3235-58-Brasil
dizia o anel na perninha direita.
Mensagem não havia nenhuma
ou a perdera o mensageiro
como se perdem os maiores segredos de Estado
que graças a isto se tornam invioláveis,
ou o grito de paixão abafado
pela buzina dos ônibus.
Como o correio (às vezes) esquece cartas
teria o pombo esquecido
a razão de seu vôo?

Ou sua razão seria apenas voar
baixinho sem mensagem como a gente
vai todos os dias à cidade
e somente algum minuto em cada vida
se sente repleto de eternidade, ansioso
por transmitir a outros sua fortuna?

Era um pombo assustado
perdido
e há perguntas na Rua Noel Rosa
e em toda parte sem resposta.

Pelo quê a senhora o confiou
ao senhor Manuel Duarte, que passava
para ser devolvido com urgência
ao destino dos pombos militares
que não é um destino.

(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987, Brasil
in "Obra Completa", Editora Nova Aguilar - RJ, 2002)

Desaparecimento de Luísa Porto

Pede-se a quem souber
do paradeiro de Luísa Porto
avise sua residência
À Rua Santos Óleos, 48.
Previna urgente
solitária mãe enferma
entrevada ha longos anos
erma de seus cuidados.

Pede-se a quem avistar
Luísa Porto, de 37 anos,
que apareça, que escreva,
que mande dizer
onde está.
Suplica-se ao repórter-amador,
ao caixeiro, ao mata-mosquitos, ao transeunte,
a qualquer do povo e da classe média,
até mesmo aos senhores ricos,
que tenham pena de mãe aflita
e lhe restituam a filha volatilizada
ou pelo menos dêem informações.
É alta, magra,
morena, rosto penugento, dentes alvos,
sinal de nascença junto ao olho esquerdo,
levemente estrábica.
Vestidinho simples. Óculos.
Sumida há três meses.
Mãe entrevada chamando.

Roga-se ao povo caritativo desta cidade
que tome em consideração um caso de família
digno de simpatia especial.
Luísa é de bom gênio, correta, meiga, trabalhadora, religiosa.
Foi fazer compras na feira da praça.
Não voltou.

Levava pouco dinheiro na bolsa.
(Procurem Luísa.)
De ordinário não se demorava.
(Procurem Luísa.)
Namorado isso não tinha.
(Procurem. Procurem.)
Faz tanta falta.

Se todavia não a encontrarem
nem por isso deixem de procurar
com obstinação e confiança que Deus sempre recompensa
e talvez encontrem.
Mãe, viúva pobre, não perde a esperança.
Luísa ia pouco a cidade
e aqui no bairro é onde melhor pode ser pesquisada.
Sua melhor amiga, depois da mãe enferma,
É Rita Santana, costureira, moça desimpedida.
a qual não da noticia nenhuma,
limitando-se a responder: Não sei.
O que não deixa de ser esquisito.

Somem tantas pessoas anualmente
numa cidade como o Rio de janeiro
que talvez Luísa Porto jamais seja encontrada.
Uma vez, em 1898,
ou 9,
sumiu o próprio chefe de polícia
que saíra a tarde para uma volta no Largo do Rocio
e até hoje.
A mãe de Luísa, então jovem, leu no Diário Mercantil,
ficou pasma.
O jornal embrulhado na memória.
Mal sabia ela que o casamento curto, a viuvez,
a pobreza, a paralisia, o queixume
seriam, na vida, seu lote
e que sua única filha, afável posto que estrábica,
se diluiria sem explicação.

Pela ultima vez e em nome de Deus
todo-poderoso e cheio de misericórdia
procurem a moça, procurem
essa que se chama Luísa Porto
e é sem namorado.
Esqueçam a luta política,
ponham de lado preocupações comerciais,
percam um pouco de tempo indagando,
inquirindo, remexendo.
Não se arrependerão. Não
há gratificação maior do que o sorriso
de mãe em festa
e a paz intima
conseqüente às boas e desinteressadas ações,
puro orvalho da alma.

Não me venham dizer que Luísa suicidou-se.
O santo lume da fé
ardeu sempre em sua alma
pertence a Deus e a Teresinha do Menino Jesus.
Ela não se matou.
Procurem-na.
Tampouco foi vítima de desastre que a polícia ignora
e os jornais não deram.
Está viva para consolo de uma entrevada
e triunfo geral do amor materno
filial e do próximo.

Nada de insinuações quanto à moça casta
e que não tinha, não tinha namorado.
Algo de extraordinário terá acontecido,
terremoto, chegada de rei.
As ruas mudaram de rumo,
para que demore tanto, é noite.
Mas há de voltar, espontânea
ou trazida por mão benigna,
O olhar desviado e terno, canção.

A qualquer hora do dia ou da noite
quem a encontrar avise a Rua Santos Óleos.
Não tem telefone.
Tem uma empregada velha que apanha o recado
e tomará providencias.

Mas
se acharem que a sorte dos povos é mais importante
e que não devemos atentar nas dores individuais,
se fecharem ouvidos a este apelo de campainha,
não faz mal, insultem a mãe de Luísa,
virem a pagina:
Deus terá compaixão da abandonada e da ausente,
erguerá a enferma, e os membros perclusos
já se desatam em forma de busca.
Deus lhe dirá :
Vai,
procura tua filha, beija-a e fecha-a para sempre em teu coração.

Ou talvez não seja preciso esse favor divino.
A mãe de Luísa ( somos pecadores )
sabe-se indigna de tamanha graça.
E resta a espera, que sempre é um dom.
Sim, os extraviados um dia regressam
— ou nunca, ou pode ser, ou ontem.
E de pensar realizamos.
Quer apenas sua filhinha
que numa tarde remota de Cachoeiro
acabou de nascer e cheira a leite,
a cólica, a lágrima.
Já não interessa a descrição do corpo
nem esta, perdoem, fotografia,
disfarces de realidade mais intensa
e que anúncio algum proverá.
Cessem pesquisas, rádios, calai-vos·
Calma de flores abrindo
no canteiro azul
onde desabrocham seios e uma forma de virgem
intata nos tempos.
E de sentir compreendemos.
Já não adianta procurar
minha querida filha Luísa
que enquanto vagueio pelas cinzas do mundo
com inúteis pés fixados, enquanto sofro
e sofrendo me solto e me recomponho
e torno a viver e ando,
está inerte
gravada no centro da estrela invisível
Amor.

(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987, Brasil
in "Nova Reunião — Novos Poemas", José Olympio Editora — RJ, 1985)

Estória de João - Joana

Meu leitor, o sucedido
em Lajes do Caldeirão
é caso de muito ensino,
merecedor de atenção.
Por isso é que me apresento
fazendo esta relação.

Vivia em dito arraial
do país das Alagoas
um rapaz chamado João
cuja força era das boas
pra sujigar burro bravo,
tigres, onças e leoas.

João, lhe deram este nome
não foi de letra em cartório
pois sua mãe e seu pai
viviam de peditório.
Gente assim do miserê
nunca soube o que é casório.

Ficou sendo João, pois esse
é nome de qualquer um.
Não carece excogitar,
pedir a doutor nenhum,
que a sentença vem do Céu,
não de lá do Barzabum.

De pequeno ficou órfão,
criado por seus dois manos.
Foi logo para o trabalho
com muitos outros fulanos
e seu muque, sem mentira,
era o de três otomanos.

Na enxada, quem que vencia
aquele tico de gente.
No boteco, se ele entrava
pra bochechar aguardente,
o saudavam com respeito
Deus lhe salve, meu parente.

João moço não enjeitava
parada com sertanejo.
Podiam brincar com ele
sem carregar no gracejo.
Dizia que homem covarde
não é cabra, é percevejo.

Um dia de calor desses
que tacam fogo no agreste,
João suava que suava
sem despir a sua veste.
Companheiro, essa camisa
não é coisa que moleste?

lhe perguntou um amigo
que estava de peito nu.
E João se calado estava
nem deu pio de nambu.
Ninguém nunca viu seu pêlo,
nem por trás do murundu.

João era muito avexado
na hora de tomar banho.
Punha tranca no barraco
fugindo a qualquer estranho.
Em Lajes nenhum varão
tinha recato tamanho.

João nas últimas semanas
entrou a sofrer de inchaço.
Mesmo assim arranca toco
sem se carpir de cansaço.
Um dia, não güenta mais,
exclama: O que é que eu faço?

Os manos vendo naquilo
coisa mei' desimportante,
logo receitam de araque
meizinha sem variante
para qualquer macacoa:
Carece tomar purgante.

João entrou no purgativo
louco de dor e de medo
se entorcendo e contorcendo
na solidão do arvoredo
pois ele em sua aflição
lá se escondera bem cedo.

O gemido que exalava
do peito de João sozinho
alertou os seus dois manos
que foram ver de mansinho
como é que aquele bravo
se tornara tão fraquinho.

No chão de terra, essa terra
que a todos nós vai comer,
chorava uma criancinha
acabada de nascer,
E João, de peito desnudo,
acarinhava este ser.

Aquela cena imprevista
causou a maior surpresa.
O que tanto se ocultara
se mostrava sem defesa.
João deixara de ser João
por força da natureza.

A mulher surgia nele
ao mesmo tempo que o filho,
tal qual se brotassem junto
a espiga com o pé de milho,
ou como bala que estoura
sem se puxar o gatilho.

Se os manos levaram susto,
até eu, que apenas conto.
E o povo todo, assuntando
a estória ponto por ponto,
ficou em breve inteirado
do que aí vai sem desconto.

Nem menino nem menina
era João quando nasceu.
A mãe, sem saber ao certo,
o nome de João lhe deu,
dizendo: Vai vestir calça
e não saia que nem eu.

À proporção que crescia
feito animal na campina,
em João foi-se acentuando
a condição feminina,
mas ele jamais quis ser
tratado feito menina.

Pois nesse triste povoado
e cem léguas ao redor,
ser homem não é vantagem
mas ser mulher é pior.
Quem vê claro já conclui:
de dois males o menor.

Homem é grão de poeira
na estrada sem horizonte;
mulher nem chega a ser isso
e tem de baixar a fronte
ante as ruindades da vida,
de altura maior que um monte.

A sorte, se presenteia
a todos doença e fome,
para as mulheres capricha
num privilégio sem nome.
Colhe miséria maior
e diz à coitada: Tome.

É forma de escravidão
a infinita pobreza,
mas duas vezes escrava
é a mulher com certeza,
pois escrava de um escravo
pode haver maior dureza?

Por isso aquela mocinha
fez tudo para iludir
aos outros e ao seu destino.
Mas rola não é tapir
e chega lá um momento
da natureza explodir.

João vira Joana: acontecem
dessas coisas sem preceito.
No seu colo está Joãozinho
mamando leite de peito.
Pelo menos esse aqui
de ser homem tem direito.

De ser homem: de escolher
o seu próprio sofrimento
e de escrever com peixeira
a lei do seu mandamento
quando à falta de outra lei
ou eu fujo ou arrebento.

Joana desiste de tudo
que ganhara por mentira.
Sabe que agora lhe resta
apenas do saco a embira.
E nem mesmo lhe aproveita
esta minha pobre lira.

Saibam quantos deste caso
houverem ciência, que a vida
não anda, em favor e graça,
igualmente repartida,
e que dor ensombra a falta
de amor, de paz e comida.

Meu leitor (não eleitor,
que eu nada te peço a ti
senão me ler com paciência
de Minas ao Piauí):
tendo contado meu conto,
adeus, me despeço aqui.

(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987, Brasil
in "Poesia Completa", Editora Nova Aguilar - RJ, 2002)

domingo, dezembro 26, 2004

Oração de Natal

Vai-te embora, ó menino
Jesus
Salta p'ra fora, ó menino
Jesus

Deixa o berço
Pega na trouxa
Desaparece
Vai no burro
na vaca ou na ovelha
Vestido
ou despido
A andar
ou a voar

Vai-te embora, ó menino
Jesus
Salta p'ra fora, ó menino
Jesus

Falso bebé
mentiroso
impostor
trapalhão
Não mostres beicinho
Nem faças
que choras
soluças
És aldrabão

Vai-te embora, ó menino
Jesus
Salta p'ra fora, ó menino
Jesus

Tu sabes
que és Deus
do Mundo
e da Trindade
E deitado
estás tu aí
a enganar
os inocentes
Os crentes

Vai-te embora, ó menino
Jesus
Salta p'ra fora, ó menino
Jesus

Poupa-nos
Deixa-nos
em paz
Vai tratar das guerras
da fome
da miséria
dos tristes
dos desgraçados
dos abandonados

Vai-te embora, ó menino
Jesus
Salta p'ra fora, ó menino
Jesus

Vai curar
os doentes
Vai amparar
os infelizes
Não percas mais tempo
Vai recuperar
o perdido
Vai provar
que és capaz

(original de Mandua, n 1947, Portugal)

Letrinhas

Seis
Letrinhas
Irrelevantes

Em dois
Grupinhos
De três

S H I
mais
D U A

E tanta força
Tão queridas
Juntas
Juradas
Prometidas
Entrelaçadas

Verdade
Fazem
Shidua

Nome
De vulcão
De furacão
De trovoada tropical
No mar
No ar
E no coração

Tão boa
A sensação

Que gozo
Gostoso
Tão amoroso
Seu mel
Tão meloso

Mais
E mais
Para sempre
Mais

(original de Mandua, n 1947, Portugal)

Nova Deusa

Também eu,
Qual vulcão,
Explodi
E resolvi
De vez
A hesitação.

Era antiga
Tinha asas
Doía, moía
Mas não saía
Não voava.

Eu queria
Pretendia
Insistia
E não dava.

Ontem deu.
Poderoso, eu
Estourei.

Mandei no divino, não hesitei
E criei uma Deusa só p'ra mim.

Havia Juno, Diana, Vénus, Minerva,
Ísis, Cibele, Selene, Afrodite,
Artemis, Hathor, Astarte, Brigit,
Huitaca, Ursala, Shing-Moo, Tanit,
Iemanjá, Oxum, Iansã, Nanã.

Tantas outras, menos uma
A que fiz, a Shidua só p'ra mim.

(original de Mandua, n 1947, Portugal)

sábado, dezembro 25, 2004

Ladainha dos póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

(Cancioneiro de Natal
in "Obra Poética 1948-1988"
David Mourão-Ferreira, 1927-1996, Portugal)

Papai Noel às avessas

Papai Noel entrou pela porta dos fundos
(no Brasil as chaminés não são praticáveis),
entrou cauteloso que nem marido depois da farra.
Tateando na escuridão torceu o comutador
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
coisas que continuavam coisas no mistério do Natal.
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu.

Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender.
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças
Papai entrou compenetrado.

Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais lindos
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celulóide.

Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente brigavam por causa do aperto.

Os pequenos continuavam dormindo.
Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.

Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes.

(Alguma Poesia
Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987, Brasil
Editora Pindorama, 1930, primeiro livro do autor. Extraído de "Nova Reunião", Livraria José Olympio Editora - RJ, 1983)

quinta-feira, dezembro 23, 2004

Pescaria

Cesto de peixes no chão.
Cheio de peixes, o mar.
Cheiro de peixe pelo ar.
E peixes no chão.

Chora a espuma pela areia,
na maré cheia.

As mãos do mar vêm e vão,
as mãos do mar pela areia
onde os peixes estão.

As mãos do mar vêm e vão,
em vão.
Não chegarão
aos peixes do chão.

Por isso chora, na areia,
a espuma da maré cheia.

(Ou isto ou aquilo
Cecília Meireles, 1901-1964, Brasil
Editora Nova Fronteira, 1990 - RJ)

Prelúdio

(para Lídia, minha velha ama negra)

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra desce com ela.

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos
nas suas mãos apertadas...

Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
tem voz de noite descendo
de mansinho pela estrada.

... Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada.
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo,
Mãe-Negra...

É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaços,
bem quieta, bem calada...

É tua a voz deste vento,
desta saudade descendo
de mansinho pela estrada...

(Alda Lara, 1930-1963, Angola
in "Resistência Africana - Antologia Poética, Diabril Editora, 1975, Portugal)

Corridinho

O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.

(Adélia Prado, n 1935, Brasil
in "Poesia Reunida", Editora Siciliano - 1991, SP)

Ensinamento

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente,
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

(Adélia Prado, n 1935, Brasil
in "Poesia reunida", Editora Siciliano, 1991 - SP)

segunda-feira, dezembro 20, 2004

A todos...

a todos trato muito bem
sou cordial, educada, quase sensata
mas nada me dá mais prazer
do que ser persona non grata
expulsa do paraíso
uma mulher sem juízo, que não se comove
com nada
cruel e refinada
que não merece ir pro céu, uma vilã de novela
mas bela, e até mesmo culta
estranha, com tantos amigos
e amada, bem vestida e respeitada
aqui entre nós
melhor que ser boazinha e não poder ser imitada

(Martha Medeiros, n 1961, Brasil
in "Poesia Reunida", L&PM Editores, 1999 - PA)

Eu minto...

eu minto, confeso
me faço de boba, verdade
escondo a idade, me calo,
me sinto tão mal, um inferno
represento um papel, principal
sou mesmo uma atriz, infeliz
quem diz que eu não quero, eu consigo
viver por um triz, enlouqueço
te esqueço e te mato, te amo
atrás de um muro, qualquer
outro dia amanheço, de novo
e falo bobagens, pudera
não sou tão sensata, avisei
sem nada de mais, me despeço

(Martha Medeiros, n 1961, Brasil
in "Poesia Reunida", L&PM Editores, 1999 - PA)

Quando chegar...

quando chegar aos 30
serei uma mulher de verdade
nem Amélia num ninguém
um belo futuro pela frente
e um pouco mais de calma talvez

e quando chegar aos 50
serei livre, linda e forte
terei gente boa ao lado
saberei um pouco mais do amor
e da vida quem sabe

e quando chegar aos 90
já sem força, sem futuro, sem idade
vou fazer uma festa de prazer
convidar todos que amei
registrar tudo que sei
e morrer de saudade

(Martha Medeiros, n 1961, Brasil
in "Poesia Reunida", L&PM Editores, 1999 - PA)

domingo, dezembro 19, 2004

A alma

Votada ao fogo obediente ao perigo
Feroz do amor ser muito e o tempo pouco,
Chegas ébrio de sonho, ó estranho amigo
E eu não sei se por mim és anjo ou louco.

Num beijo infindo queres morrer comigo.
Nesse extremo és sagrado e eu não te toco.
Esquivo-me: o teu sonho mais instigo.
Fujo-te: a tua chama mais provoco.

A incêndio do teu sangue me condenas
E com ciumentas ervas te envenenas
Dizendo às nuvens que só tu me viste.

Bebendo o vinho de amantes mortos queres
Que eu seja a mais prateada das mulheres.
E de ser tão amada eu fico triste.

(Sonetos Românticos
Natália Correia, 1923-1993, Portugal
Editora "O Jornal", 1990)

Caso do vestido

Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?

Minhas filhas, é o vestido
de uma dona que passou.

Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?

Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai evém chegando.

Nossa mãe, dizei depressa
que vestido é esse vestido.

Minhas filhas, mas o corpo
ficou frio e não o veste.

O vestido, nesse prego,
está morto, sossegado.

Nossa mãe, esse vestido
tanta renda, esse segredo!

Minhas filhas, escutai
palavras de minha boca.

Era uma dona de longe,
vosso pai enamorou-se.

E ficou tão transtornado,
se perdeu tanto de nós,

se afastou de toda vida,
se fechou, se devorou,

chorou no prato de carne,
bebeu, brigou, me bateu,

me deixou com vosso berço,
foi para a dona de longe,

mas a dona não ligou.
Em vão o pai implorou.

Dava apólice, fazenda,
dava carro, dava ouro,

beberia seu sobejo,
lamberia seu sapato.

Mas a dona nem ligou.
Então vosso pai, irado,

me pediu que lhe pedisse,
a essa dona tão perversa,

que tivesse paciência
e fosse dormir com ele...

Nossa mãe, por que chorais?
Nosso lenço vos cedemos.

Minhas filhas, vosso pai
chega ao pátio. Disfarcemos.

Nossa mãe, não escutamos
pisar de pé no degrau.

Minhas filhas, procurei
aquela mulher do demo.

E lhe roguei que aplacasse
de meu marido a vontade.

Eu não amo teu marido,
me falou ela se rindo.

Mas posso ficar com ele
se a senhora fizer gosto,

só pra lhe satisfazer,
não por mim, não quero homem.

Olhei para vosso pai,
os olhos dele pediam.

Olhei para a dona ruim,
os olhos dela gozavam.

O seu vestido de renda,
de colo mui devassado,

mais mostrava que escondia
as partes da pecadora.

Eu fiz meu pelo-sinal,
me curvei... disse que sim.

Sai pensando na morte,
mas a morte não chegava.

Andei pelas cinco ruas,
passei ponte, passei rio,

visitei vossos parentes,
não comia, não falava,

tive uma febre terçã,
mas a morte não chegava.

Fiquei fora de perigo,
fiquei de cabeça branca,

perdi meus dentes, meus olhos,
costurei, lavei, fiz doce,

minhas mãos se escalavraram,
meus anéis se dispersaram,

minha corrente de ouro
pagou conta de farmácia.

Vosso pais sumiu no mundo.
O mundo é grande e pequeno.

Um dia a dona soberba
me aparece já sem nada,

pobre, desfeita, mofina,
com sua trouxa na mão.

Dona, me disse baixinho,
não te dou vosso marido,

que não sei onde ele anda.
Mas te dou este vestido,

última peça de luxo
que guardei como lembrança

daquele dia de cobra,
da maior humilhação.

Eu não tinha amor por ele,
ao depois amor pegou.

Mas então ele enjoado
confessou que só gostava

de mim como eu era dantes.
Me joguei a suas plantas,

fiz toda sorte de dengo,
no chão rocei minha cara,

me puxei pelos cabelos,
me lancei na correnteza,

me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,

bebi fel e gasolina,
rezei duzentas novenas,

dona, de nada valeu:
vosso marido sumiu.

Aqui trago minha roupa
que recorda meu malfeito

de ofender dona casada
pisando no seu orgulho.

Recebei esse vestido
e me dai vosso perdão.

Olhei para a cara dela,
quede os olhos cintilantes?

quede graça de sorriso,
quede colo de camélia?

quede aquela cinturinha
delgada como jeitosa?

quede pezinhos calçados
com sandálias de cetim?

Olhei muito para ela,
boca não disse palavra.

Peguei o vestido, pus
nesse prego da parede.

Ela se foi de mansinho
e já na ponta da estrada

vosso pai aparecia.
Olhou pra mim em silêncio,

mal reparou no vestido
e disse apenas: — Mulher,

põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,

comeu, limpou o suor,
era sempre o mesmo homem,

comia meio de lado
e nem estava mais velho.

O barulho da comida
na boca, me acalentava,

me dava uma grande paz,
um sentimento esquisito

de que tudo foi um sonho,
vestido não há... nem nada.

Minhas filhas, eis que ouço
vosso pai subindo a escada.

(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987, Brasil
in "Nova Reunião - 19 Livros de Poesia", José Olympio Editora - 1985)

sexta-feira, dezembro 17, 2004

Frutos e flores

Meu amado me diz
que sou como maçã
cortada ao meio.
As sementes eu tenho
é bem verdade.
E a simetria das curvas
Tive um certo rubor
na pele lisa
que não sei
se ainda tenho.
Mas se em abril floresce
a macieira
eu maçã feita
e pra lá de madura
ainda me desdobro
em brancas flores
cada vez que sua faca
me traspassa.

(Rota de colisão
Marina Colasanti, n 1938, Etiópia/Brasil
Editora Rocco, 1993 - RJ)

Preciso, para

Preciso que um barco atravesse o mar
lá longe
para sair dessa cadeira
para esquecer esse computador
e ter olhos de sal
boca de peixe
e o vento frio batendo nas escamas.

Preciso que uma proa atravesse a carne
cá dentro
para andar sobre as águas
deitar nas ilhas e
olhar de longe esse prédio
essa sala
essa mulher sentada diante do computador
que bebe a branca luz eletrônica
e pensa no mar.

(Gargantes Abertas
Marina Colasanti, n 1938, Etiópia/Brasil
Editora Rocco, 1998 - RJ)

Sexta-feira à noite

Sexta-feira à noite
os homens acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas
a vida dos seus ídolos.

Sexta-feira à noite
os homens penetram suas esposas
com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso
para coçar o saco.

Sexta-feira à noite
os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro
encaram seu destino
e sonham com o príncipe encantado.

(Rota de Colisão
Marina Colasanti, n 1938, Etiópia/Brasil
Editora Rocco, 1993, RJ)

quinta-feira, dezembro 16, 2004

Pátria minha

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."

(Vinicius de Moraes, 1913-1980, Brasil
in "Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - RJ, 1998)

Mensagem à poesia

Não posso
Não é possível
Digam-lhe que é totalmente impossível
Agora não pode ser
É impossível
Não posso.

Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao
seu encontro.
Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar
Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo
Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte
do mundo
E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo
A saudade de seus homens: contem-lhe que há um vácuo
Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema: contem-lhe
Que a vergonha, a desonra, o suicídio, rondam os lares, e é
preciso reconquistar a vida
Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os
caminhos
Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso
Ponderem-lhe com cuidado - não a magoem... que se não vou
Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num
cárcere
Há um lavrador que foi agredido, há uma poça de sangue numa
praça.
Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus
Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem
Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens
E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto
Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento aos
Homens perplexos; digam-lhe que me foi dada
A terrível participação, e que possivelmente
Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias
Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.
Se ela não compreender, oh, procurem convencê-la
Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe
Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me
Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado
Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento
Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado
Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha numa
estrada
Junto a um cadáver de mãe; digam-lhe que há
Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem
Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia
Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande
Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações
Há fantasmas que me visitam de noite
E que me cumpre receber; contem a ela da minha certeza
No amanhã
Que sinto um sorriso no rosto invisível da noite
Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso
Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora
Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde
De ter de abandoná-la neste instante, em sua incomensurável
Solidão: peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale
Por um momento, que não me chame
Porque não posso ir
Não posso ir
Não posso.

Mas não a traí. Em meu coração
Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa
Envergonhá-la. A minha ausência
É também um sortilégio
Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-la
Num mundo em paz: Minha paixão de homem
Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha
Loucura resta comigo. Talvez eu deva
Morrer sem vê-la mais, sem sentir mais
O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr
Livre e nua nas praias e nos céus
E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse
O meu martírio; que às vezes
Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas
Forças da tragédia abatem-se sobre mim, e me impelem para a treva
Mas que eu devo resistir, que é preciso...
Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência
Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática
Num amor cheio de renúncia. Oh, peçam a ela
Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo
A que foi dado se perder de amor pelo seu semelhante
A que foi dado se perder de amor por uma pequena casa
Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho
A quem foi dado se perder de amor pelo direito
De todos terem uma pequena casa, um jardim de frente
E uma menininha de vermelho; e se perdendo
Ser-lhe doce perder-se...
Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível
Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame
Que me espere, porque sou eu, apenas seu; mas que agora
É mais forte do que eu, não posso ir,
Não é possível
Me é totalmente impossível
Não pode ser não
É impossível
Não posso.

(Vinicius de Moraes, 1913-1980 , Brasil
in "Antologia Poética", Editora do Autor - RJ, 1960)

Presságio

O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

(Fernando Pessoa, 1888-1935, Portugal
in "Fernando Pessoa - Obra Poética - Inéditas", Cia. José Aguilar Editora - RJ, 1972)

Todas as cartas de amor são

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

(Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, 1888-1935, Portugal
in "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - RJ, 1972)

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Alma minha gentil, que te partiste

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Algua cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

(Luís de Camões, 1524-1580
in "Lírica", Hernâni Cidade, Círculo de Leitores, 1973, Portugal)

Minha mãe

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora. Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fonte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.

Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão. que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.

(Vinicius de Moraes, 1913-1980
in "Vinicius de Moraes - Poesia completa e prosa", Editora Nova Aguilar - RJ, 1998)

Para viver um grande amor

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

(Para Viver Um Grande Amor
Vinicius de Moraes, 1913-1980, José Olympio Editora - RJ, 1984)

A hora íntima

Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: — Nunca fez mal...
Quem, bêbado, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: — Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: — Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançara um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: — Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?

(Rio, 1950, Vinicius de Moraes, 1913-1980
in "Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - RJ, 1998)

Elegia desesperada

Meu Senhor, tende piedade dos que andam de bonde
E sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos...
Mas tende piedade também dos que andam de automóvel
Quantos enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.

Tende piedade das pequenas famílias suburbanas
E em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos
Mas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam
E sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina

Tende muita piedade do mocinho franzino, três cruzes, poeta
Que só tem de seu as costeletas e a namorada pequenina
Mas tende mais piedade ainda do impávido forte colosso do esporte
E que se encaminha lutando, remando, nadando para a morte.

Tende imensa piedade dos músicos de cafés e de casas de chá
Que são virtuoses da própria tristeza e solidão
Mas tende piedade também dos que buscam o silêncio
E súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.

Não esqueçais também em vossa piedade os pobres que enriqueceram
E para quem o suicídio ainda é a mais doce solução
Mas tende realmente piedade dos ricos que empobreceram
E tornam-se heróicos e à santa pobreza dão um ar de grandeza.

Tende infinita piedade dos vendedores de passarinhos
Quem em suas alminhas claras deixam a lágrima e a incompreensão
E tende piedade também, menor embora, dos vendedores de balcão
Que amam as freguesas e saem de noite, quem sabe onde vão...

Tende piedade dos barbeiros em geral, e dos cabeleireiros
Que se efeminam por profissão mas são humildes nas suas carícias
Mas tende maior piedade ainda dos que cortam o cabelo:
Que espera, que angústia, que indigno, meu Deus!

Tende piedade dos sapateiros e caixeiros de sapataria
Quem lembram madalenas arrependidas pedindo piedade pelos sapatos
Mas lembrai-vos também dos que se calçam de novo
Nada pior que um sapato apertado, Senhor Deus.

Tende piedade dos homens úteis como os dentistas
Que sofrem de utilidade e vivem para fazer sofrer
Mas tente mais piedade dos veterinários e práticos de farmácia
Que muito eles gostariam de ser médicos, Senhor.

Tende piedade dos homens públicos e em particular dos políticos
Pela sua fala fácil, olhar brilhante e segurança dos gestos de mão
Mas tende mais piedade ainda dos seus criados, próximos e parentes
Fazei, Senhor, com que deles não saiam políticos também.

E no longo capítulo das mulheres, Senhor, tenha piedade das mulheres
Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres
Enlouquecei meu espírito, mas tende piedade das mulheres
Ulcerai minha carne, mas tende piedade das mulheres!

Tende piedade da moça feia que serve na vida
De casa, comida e roupa lavada da moça bonita
Mas tende mais piedade ainda da moça bonita
Que o homem molesta — que o homem não presta, não presta, meu Deus!

Tende piedade das moças pequenas das ruas transversais
Que de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação
E sonham exaltadas nos quartos humildes
Os olhos perdidos e o seio na mão.

Tende piedade da mulher no primeiro coito
Onde se cria a primeira alegria da Criação
E onde se consuma a tragédia dos anjos
E onde a morte encontra a vida em desintegração.

Tende piedade da mulher no instante do parto
Onde ela é como a água explodindo em convulsão
Onde ela é como a terra vomitando cólera
Onde ela é como a lua parindo desilusão.

Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas
Porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade
Mas tende piedade também das mulheres casadas
Que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.

Tende piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas
Que são desgraçadas e são exploradas e são infecundas
Mas que vendem barato muito instante de esquecimento
E em paga o homem mata com a navalha, com o fogo, com o veneno.

Tende piedade, Senhor, das primeiras namoradas
De corpo hermético e coração patético
Que saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçadas
Que se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.

Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres
Que ninguém mais merece tanto amor e amizade
Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
Que ninguém mais precisa tanto alegria e serenidade.

Tende infinita piedade delas, Senhor, que são puras
Que são crianças e são trágicas e são belas
Que caminham ao sopro dos ventos e que pecam
E que têm a única emoção da vida nelas.

Tende piedade delas, Senhor, que uma me disse
Ter piedade de si mesma e da sua louca mocidade
E outra, à simples emoção do amor piedoso
Delirava e se desfazia em gozos de amor de carne.

Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas
A vida fere mais fundo e mais fecundo
E o sexo está nelas, e o mundo está nelas
E a loucura reside nesse mundo.

Tende piedade, Senhor, das santas mulheres
Dos meninos velhos, dos homens humilhados — sede enfim
Piedoso com todos, que tudo merece piedade
E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!

(Vinicius de Moraes, 1913-1980, Brasil
in "Antologia Poética", Editora do Autor - RJ, 1960)

Feijoada à minha moda

Amiga Helena Sangirardi
Conforme um dia prometi
Onde, confesso que esqueci
E embora — perdoe — tão tarde

(Melhor do que nunca!) este poeta
Segundo manda a boa ética
Envia-lhe a receita (poética)
De sua feijoada completa.

Em atenção ao adiantado
Da hora em que abrimos o olho
O feijão deve, já catado
Nos esperar, feliz, de molho

E a cozinheira, por respeito
À nossa mestria na arte
Já deve ter tacado peito
E preparado e posto à parte

Os elementos componentes
De um saboroso refogado
Tais: cebolas, tomates, dentes
De alho — e o que mais for azado

Tudo picado desde cedo
De feição a sempre evitar
Qualquer contato mais... vulgar
Às nossas nobres mãos de aedo.

Enquanto nós, a dar uns toques
No que não nos seja a contento
Vigiaremos o cozimento
Tomando o nosso uísque on the rocks

Uma vez cozido o feijão
(Umas quatro horas, fogo médio)
Nós, bocejando o nosso tédio
Nos chegaremos ao fogão

E em elegante curvatura:
Um pé adiante e o braço às costas
Provaremos a rica negrura
Por onde devem boiar postas

De carne-seca suculenta
Gordos paios, nédio toucinho
(Nunca orelhas de bacorinho
Que a tornam em excesso opulenta!)

E — atenção! — segredo modesto
Mas meu, no tocante à feijoada:
Uma língua fresca pelada
Posta a cozer com todo o resto.

Feito o quê, retire-se o caroço
Bastante, que bem amassado
Junta-se ao belo refogado
De modo a ter-se um molho grosso

Que vai de volta ao caldeirão
No qual o poeta, em bom agouro
Deve esparzir folhas de louro
Com um gesto clássico e pagão.

Inútil dizer que, entrementes
Em chama à parte desta liça
Devem fritar, todas contentes
Lindas rodelas de lingüiça

Enquanto ao lado, em fogo brando
Dismilingüindo-se de gozo
Deve também se estar fritando
O torresminho delicioso

Em cuja gordura, de resto
(Melhor gordura nunca houve!)
Deve depois frigir a couve
Picada, em fogo alegre e presto.

Uma farofa? — tem seus dias...
Porém que seja na manteiga!
A laranja gelada, em fatias
(Seleta ou da Bahia) — e chega

Só na última cozedura
Para levar à mesa, deixa-se
Cair um pouco da gordura
Da lingüiça na iguaria — e mexa-se.

Que prazer mais um corpo pede
Após comido um tal feijão?
— Evidentemente uma rede
E um gato para passar a mão...

Dever cumprido. Nunca é vã
A palavra de um poeta...— jamais!
Abraça-a, em Brillat-Savarin
O seu Vinicius de Moraes

(Para viver um grande amor
Vinicius de Moraes, 1913-1980, Livraria José Olympio Editora - RJ, 1984,Brasil)

segunda-feira, dezembro 13, 2004

O guardador de rebanhos

Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu,
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras,
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem

E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três,
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz no braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras nos burros,
Rouba as frutas dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus,
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia,
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.

Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que as criou, do que duvido" -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada,
se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres".
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
................................................
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
.............................................
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
.............................................
Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

(Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, 1888-1935, Portugal
in "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - RJ, 1972)

O filho do homem

O mundo parou
A estrela morreu
No fundo da treva
O infante nasceu.

Nasceu num estábulo
Pequeno e singelo
Com boi e charrua
Com foice e martelo.

Ao lado do infante
O homem e a mulher
Uma tal Maria
Um José qualquer.

A noite o fez negro
Fogo o avermelhou
A aurora nascente
Todo o amarelou.

O dia o fez branco
Branco como a luz
À falta de um nome
Chamou-se Jesus.

Jesus pequenino
Filho natural
Ergue-te, menino
É triste o Natal.

(Vinicius de Moraes, 1913-1980, Natal de 1947, Brasil
in "Antologia Poética", Editora do Autor - RJ, 1960)

indice de Eugénia Tabosa (?)

Encantamento

Indice de Ángeles Mora (1952)

- La chica más suave
- La cólera de un viento

Indice de Amalia Bautista (1962)

Desnudo de mujer

Indice de Alfredo Arvelo Larriva (1883-1934)

Los pájaros divinos

Indice de Oliverio Girondo (1891-1967)

Que los ruidos...

Indice de Pablo Neruda (1904-1973)

Ah vastedad de pinos
Al golpe de la ola
Algunas bestias
Amor
El sueño
La carta en el camino
Soneto II
Soneto LXII
Soneto XXXIII
Soneto LXXXII

Indice de Jaime Sabines (1926-1999)

Me duelesDoña Luz XVII
Algo sobre la muerte del Mayor Sabines

Indice de Carmen Boullosa (1954)

Carta al lobo

Indice de José Emilio Pacheco (1939)

Alta traición

Indice de Tomás Segovia (1927)

Por qué no

Indice de Olavo Bilac (1865-1918)

- Velho conto
- Voz do sangue

Indice de Cego Aderaldo (1878-1950)

Quem paca cara compra, paca cara pagará!

Indice de Gonçalves Crespo (1846-1883)

A sesta

Indice de José Simões Dias (1844-1899)

- A tua roca
- O teu lenço

Indice de Francisco Rodrigues Lobo (1579-1621)

Cantiga

Indice de Chico Buarque (1945)

Atrás da porta

Indice de Ivan Lins (1945)

Bilhete

Indice de Pedro Home de Mello (1904-1984)

- Fonte

Indice de José María Fonollosa (1932-1991)

Destrucción de la Mañana
Avenue of the Americas
Bedford Street
Broadway
Doyers Street
Elisabeth Street
Kennamore Street
Prince Street
Times Square I
West 32nd Street
William Street

Indice de Agostinho Neto (1922-1979)

- Caminho do mato
- Meia noite na quitanda
- Quitandeira
- Poesia africana

Indice de Vasco Graça Moura (1942)

- blues da morte de amor
- carta à mulher amada sobre a morte de vitorino nemésio
- lâmpada votiva
- presente do indicativo

Indice de Luiza Neto Jorge (1939-1989)

- A porta aporta
- Exorcismo
- Metamorfose
- Minibiografia

Indice de José Craveirinha (1922-2003)

Grito negro

Indice de Osvaldo Alcântara (1907-1990)

Mamãe

Indice de Jorge Barbosa (1902-1971)

Poema do mar

Indice de Aires de Almeida Santos (1921-1992)

Meu amor da Rua Onze

Indice de Vitorino Nemésio (1901-1978)

- A araucária
- Alarme nas ilhas
- Corisco de ilha
- Entregaste-me à partida
- Fui hoje à Caixa, Marga
- O telegrama
- Oh pedras de sangue

Indice de Ricardo Carballo Calero (1910-1999)

- En lo alto del bosque está mi eremitório

Indice de Piedad Bonnett (1951)

- Canción
- Canciones de ausencia
- Confesión

Indice de Luís Alberto de Cuenca (1950)

- La llamada
- Los gigantes de hielo
- Mal de ausencia
- Pitonisa floral
- Qué complaciente
- Soneto
- Un amor impossible

Indice de Cristina Peri Rossi (1941)

- Después
- Escoriación
- Las palabras son espectros
- Navegación
- No quisiera que lloviera
- Oración
- Reminiscencia
- R.I.P.
- Última entrevista

Indice de Hilda Hilst (1930-2004)

- Antes que o mundo acabe
- Descansa
- O escritor e seus múltiplos
- Olhando

Indice de Carlos Queirós (1907-1949)

- Apelo à poesia
- Canção inocente
- Desaparecido

Indice de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)

- Aquele outro
- Caranguejola
- Feminina

Indice de Mário-Henrique Leiria (1923-1980)

- Cegarrega para crianças
- Claridade dada pelo tempo
- Manufactura anatómica
- Origem dos sonhos esquecidos

Indice de Torquato Neto (1944-1972)

- A virtude é a mãe do vício
- Go back
- O Poeta é a mãe das armas
- Pílulas do tipo deixa-o-pau-rolar.

Indice de Rui Nogar (?)

- Xicuembo

Indice de Malangatana Valente Ngwenya (1936)

- A mamã preocupada

Indice de Afonso Santos (1954)

- Colecionador de quimeras
- Samba

Indice de Alberto da Barca (1954)

- Eu, a Quizumba Malhada

Indice de Maria Teresa Horta (1937)

- Desordem
- Diferença
- Invento
- Minha senhora de mim
- Os silêncios
- Poema de muito amor
- Poema sobre a recusa

Indice de Alda Espírito Santo (1926)

- Em torno da minha baía
- Lá no "Água Grande"
- No mesmo lado da canoa

Indice de Viriato da Cruz (1928-1973)

Makèsú
Namoro
Rimance da menina da roça

Indice de Geraldo Bessa Victor (1917)

Ode à avó Capinha

Indice de Ernesto Lara Filho (1922-1977)

Infância perdida

Indice de António Jacinto (1924-1991)

- Ah! Se pudésseis aqui ver poesia que não há!
- Carta dum contratado
- Castigo pro comboio malandro
- Monangamba

Indice de António Cardoso (1933)

- Catavento numa ilha do Atlântico

Indice de Ana Paula Ribeiro Tavares (1952)

O cercado

Indice de Alda Pereira Pinto (?)

- Maria casou...
- Scherzos
- Uma madrugada...

Indice de Marilena Gomes Ribeiro (1941)

- Acaso

Indice de Eliane Pantoja Vaidya (?)

- Homenagem à Camile Paglia
- Me comovem

Indice de Manuela Amaral (1934-1995)

- (A)normalidade
- A outra
- Cançoneta
- Culpa tua (ou minha)
- Em madrugada (talvez solidão)
- Este amor nasceu do fim
- Marés vivas
- No dia de amanhã
- Prefácio
- Rebeldia
- Remorso perdoado
- Sabedoria
- Ser tudo não me basta
- Se tu viesses agora
- Tenho a saúde doente

Indice de Miguel Torga (1907-1995)

- Mãe

Indice de Sophia de Mello Breyner Andressen (1919-2004)

- A estrela
- Ausência
- Eis-me
- Quando
- Senhor
- Tradução de Kleist

Indice de Manuel Alegre (1936)

- Abaixo el-rei Sebastião
- Como ouvi Linda cantar por seu amigo José
- E alegre se fez triste
- Retrato do herói
- Trova do vento que passa

Indice de Jorge de Sena (1918-1978)

- Tentações do Apocalipse

Indice de Gomes Leal (1848-1921)

- As aldeias

Indice de Eugénio de Andrade (1923)

- Adeus
- Que música escutas tão atentamente
- Retrato
- Rotina
- Shelley sem anjos e sem pureza

Indice de Fernando Namora (1919-1989)

- Terra

Indice de António Gedeão (1906-1997)

- Arma secreta
- Calçada de Carriche
- Impressão digital
- Lágrima de preta
- Lição sobre a água
- Pedra filosofal
- Poema da auto-estrada
- Poema épico
- Poema do fecho-éclair

Indice de Guerra Junqueiro (1850-1923)

- Adoração
- A moleirinha
- O pastor
- Portugal
- Regresso ao lar

Indice de Leila Míccolis (n 1947)

- Ponto de vista

Indice de D. Dinis (1261-1325)

- Ai, flores, ai, flores do verde pino
- Non posso eu, meu amigo
- Senhor, eu vivo coitada

Indice de Augusto Gil (1873-1929)

- Balada da neve

Indice de António Nobre (1867-1900)

- Pobre tísica

Indice de Almeida Garret (1799-1854)

- Barca bela
- Este inferno de amar
- Nau catrineta
- Os cinco sentidos

Indice de Alexandre O'Neil (1924-1986)

- Amigo
- A traição
- Cão
- Fraco mas forte
-

Indice de Al Berto (1948-1997)

Acordar tarde
Recado

Indice de Mário Cesariny (1923)

- Exercício espiritual
- Faz-me o favor
- Homenagem a Cesário Verde
- Os sebastiacas trombos não deixaram partir
- Poema

Indice de Conceição Lima (1961)

- 1975
- A casa
- Afroinsularidade
- Antes do poema
- Daimonde Jones
- Gravana
- Os Heróis
- Os rios da tribo
- Roça
- Solidão de Amador no Jardim de Santo António do Príncipe
- Vila Maria número 6

Indice de Catulo da Paixão Cearense (1863-1946)

- 1º Ato
- A flor do maracujá
- Caboca bunita
- Caboca di Caxangá
- Chico Beleza
- Luar do sertão
- O azulão e os tico-ticos
- O lenhador
- O marruêro
- U poeta du sertão
- Vassuncês diga o que é

Indice de Elisa Lucinda (1958)

- Aviso da lua que menstrua
- Co-respondência
- Pode café

Indice de Cora Coralina (1889-1985)

- Todas as vidas

Indice de Florbela Espanca (1894-1930)

- ?
- I
- II
- III
- IV
- V
- VI
- VII
- VIII
- IX
- X
- Amar!
- Ambiciosa
- As minhas mãos
- A nossa casa
- A uma rapariga
- A voz da tília
- Charneca em Flor
- Crucificada
- Espera...
- Eu
- Horas rubras
- Mendiga
- Mistério
- Noitinha
- Outonal
- Passeio ao campo
- Realidade
- Ser poeta
- Se tu viesses ver-me hoje à tardinha
- Supremo enleio
- Versos de orgulho
- Volúpia

Indice de Mandua (1947)

- A criatura - 1
- A criatura - 2
- A nascitura - 1
- Letrinhas
- Nova Deusa
- Oração de Natal

Indice de David Mourão-Ferreira (1927-1996)

- Ladainha dos póstumos Natais
- Litania para o Natal de 1967
- Natal, e não Dezembro

Indice de Adélia Prado (n 1935)

- Corridinho
- Ensinamento

Indice de Alda Lara (1930-1963)

- Anúncio
- Noite
- Poemas que eu escrevi na areia
- Prelúdio
- Presença africana
- Ronda
- Testamento

Indice de Cecília Meireles (1901-1964)

- Balada das dez bailarinas do cassino
- Canção
- Este é o lenço
- Motivo
- Pescaria
- Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência
- Venturosa de sonhar-te

Indice de Martha Medeiros (1961)

- A todos...
- Eu minto...
- Quando chegar...

Indice de Natália Correia (1923-1993)

- A alma
- No Templo de Florbela-Diana, a Castradora
- Romance de Dionisos duriense

Indice de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

- Caso do vestido
- Desaparecimento de Luísa Porto
- Estória de João - Joana
- Papai Noel às avessas
- Pombo-correio

Indice de Marina Colasanti (1938)

- Frutos e flores
- Preciso, para
- Sexta-feira à noite

Indice de Luís de Camões (1524-1580)

- A fermosura desta fresca serra
- Alma minha gentil, que te partiste
- Amor é um fogo que arde sem se ver
- Descalça vai para a fonte
- Endechas à bárbara escrava
- Está o lascivo e doce passarinho