segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Samba

Esta saudade da vida
foi bebida no cálice
do teu colo cálido
e desfila pela avenida
da utopia perdida
por um triz.

Ai Amor esta dor é tanta
uma espécie de vestígio vegetal
mas ainda assim teimosamente canta
uma esperança no meu corpo astral.

Recolho as cinzas da quarta-feira
e sento-me num banco em ruínas
à espera da redenção
fabricando pedras de sal
pequeninas mas inteiras
matriz de outras proibidas brincadeiras.

Ai amor a dor não abranda
mas quando regressar o carnaval
às favelas do Rio, Maputo e Luanda
nova luz brilhará no meu corpo astral.

Deslembrados do que fomos
buscamos um novo alento
nas lendas que os tambores inventam
quando invocam tardes lentas
alucinadas de azul
único norte neste sul.

Ai amor esta dor já cansa
mas uma espécie de ímpeto animal
que sobe em mim ao sabor da dança
vai fazer renascer o meu corpo astral.

(Afonso Santos, n 1954, Moçambique
in "Coleccionador de quimeras", Editora Ndjira, 1998)