domingo, junho 19, 2005

Em madrugada (talvez solidão)

E entretanto acabou-se o whisky

Mas abri uma garrafa de vinho
de cor branca

Enchi um copo
e meti açúcar
para fingir mais doce
o azedar do gosto.

Verifiquei cigarros:
o maço estava cheio
e o meu isqueiro fiel, de chama certa.

E espreitei as horas da janela
desta varanda fechada,
a que pomposamente
eu chamo o meu quarto de trabalho
e de poesia.

(E que me importam as horas
de horas ser
se todas são iguais
e tão vazias)

Tudo ficou a postos:

vinho
tabaco
insónia

e uma vela acesa
a dominar o escuro

Olhei à minha volta:
vi coisas (quase móveis)
papéis
fotografias
rascunhos de poesia.
E um sofá coxo
que eu encontrei no lixo.

E o silêncio a colorir a casa.

E fui quase feliz com tudo isto
de tudo ser ausência
c estar sozinha

na opção da escolha
de vida sem partilha.

Poder mandar para o chão
as calças do pijama que não visto.

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in "Minha Memória de Ti", 1992)