domingo, junho 19, 2005

Se tu viesses agora

Se tu viesses agora,

Se entrasses àquela porta
e te viesses sentar
mesmo defronte de mim
nesta cadeira vazia
ocupada de silêncio,

E me dissesses bom dia
boa tarde
ou boa noite
(qualquer coisa aconchegada
a anunciar o regresso),

e me sorrisses depois
num compromisso ternura,

Se o gesto da tua mão
recaísse no meu ombro
a atenuar a distância
entre mim e a tua ausência,

Se me desses a entender
que o erro das nossas vidas
não foi acto consumado
e que nada chega ao fim
sem que seja ultrapassado
pelo querer da decisão,

Se tudo isto acontecesse,

Se por milagre
ou loucura
eu agarrasse a lonjuga
e te fizesse mais perto,

com certeza que morria
ou renascia contigo
nesse preciso momento.

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in ""Tempo de Passagem", 1991)