sábado, julho 02, 2005

O telegrama

Oh! Esta loucura Morse
Com tracinhos dos teus dedos
E pontos das tuas unhas!
A saudade se reforce
Nos eléctricos segredos
Para a matarmos melhor.

Sou tão feliz! Nem supunhas:
Sei o telegrama de cor.
Diz: "A Macaca de Fogo
Não pode passar sem ti.
Vem depressa." - Volto logo.
"Saudades de ripipi."

Mal sabia o operador,
Grafando a onomatopeia,
Que era o teu grito de amor
Chilreando veia a veia!
"Um vendaval de saudades"
("Vendaval", por vento ilhéu
Que bate vidros e grades
E arrasta o amor no escarcéu).

"Com muito amor" - continua
O cabograma contado -
E acaba dizendo "tua
Margarida", como se
O não soubesse o povoado,
O correio, o homem da rua,
O groom e eu mesmo que de
Ti sou, na Terra e na Lua.

Stop. No explicit Morse
Está "Macaca" e "ripipi"
Para que o espanto reforce
Tudo o que me vem de ti.

Agora pergunto: A cara
Do funcionário, ao guichet,
Vendo-te séria, avis rara,
De coroa e franja, até
Firmares, com anéis nos dedos,
Como às tuas Confissões,
Todos aqueles segredos
Contra escudos e tostões...

Oh, bendito seja o Fontes,
(Teu tio Hintze, já se vê...)
Que lançaram estas pontes
De pressa e amor - C. T. T.!

(Vitorino Nemésio, 1901-1978, Portugal
in "Caderno de Caligraphia e outros poemas a Marga"
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2003)