Do começo ao fim do dia,
um belo azulão cantava,
e o pomar que atento ouvia
os seus trilos de harmonia
cada vez mais se enflorava.
Se um tico-tico e outros bobos
vaiavam sua canção,
mais doce ainda se ouvia
a flauta desse azulão.
Um papagaio, surpreso
de ver o grande desprezo
do azulão, que os desprezava,
um dia em que ele cantava
e um bando de tico-ticos
numa algazarra o vaiava,
lhe perguntou: " Azulão,
olha, diz-me a razão
por que, quando estás cantando
e recebes uma vaia
desses garotos joviais,
tu continuas gorgeando,
e cada vez cantas mais?!"
Numas volatas sonoras,
o azulão lhe respondeu:
"meu amigo, eu prezo muito
esta garganta sublime,
este dom que Deus me deu!
Quando há pouco, eu descantava,
pensando não ser ouvido
nestes matos ,por ninguém,
um sabiá que me escutava,
num capoeirão , escondido,
gritou de lá: "meu colega,
bravo!....Bravo!...Muito bem!"
Queira agora me dizer:-
quem foi um dia aplaudido
por um dos mestres do canto,
um dos cantores mais ricos
que caso pode fazer
das vaias dos tico-ticos?!"
(Catulo da Paixão Cearense, 1863-1946, Brasil
in, "Meu Sertão", Livraria Castilho, RJ, 1920)