quinta-feira, janeiro 13, 2005

Antes do poema

I
Quando o luar caiu
e tingiu de magia os verdes da ilha
cheguei, mas tu já não eras.
Cheguei quando as sombras revelavam
os murmúrios do teu corpo
e não eras.
Cheguei para despojar de limites
o teu nome.
Não eras.
As nuvens estão densas de ti
sustentam a tua ausência
recusam o ocaso do teu corpo
mas não és.
Pedra a pedra encho a noite
do teu rosto sem medida
para te construir convoco os dias
pedra a pedra
no tempo que te consome.
As pedras crescem como vagas
no silêncio do teu corpo
Jorram e rolam
como flores violentas
no silêncio do teu corpo
E sangram. Como pássaros exaustos.
A noite e o vento se entrelaçam
no vazio que te espera.

II
Súbito chegaste
quando falsos deuses subornavam
o tempo.
Chegaste para despedir
a insónia e o frio
Chegaste sem aviso
quando a estrada se abria
como um rio
chegaste para resgatar
sem demora o principio.

Grave o silêncio rodeia o teu corpo
hostil o silêncio agarra o teu corpo.
Mas já tomaste horas e caminhos
já venceste matos e abismos
já a espessura do obô
resplandece em tua testa.
E não bastam pombas em demência
no teu rosto
não bastam consciências soluçantes
em teu rasto
não basta o delírio das lágrimas libertas.

Eu cantarei em pranto
teu regresso sem idade
teu retorno do exílio na saudade
cantarei sobre a terra
teu destino de rebelde.

Para te saudar no mar e no palmar
na manhã do canto sem represas
cantarei a praia lisa e o pomar.

Direi teu nome e tu serás.

(Conceição Lima, n 1961, S. Tomé e Príncipe
in "O Útero da Casa", Editorial Caminho, 2004, Lisboa)