Pulas areia da istrada,
Cum as perna já meia bamba,
Um dispotismo de gente
Vinha cantando num samba,
Fazendo grande berrêro!
Quem puxava a istruvunca
Era o Manué Cachacêro,
O mais grande dos violêro,
Que im todo sertão gimia!
E era ansim que ele cantava
E no canto ansim dizia:
"Diz os véiu de outras éra
que quando São João sintia
sôdade de Jesú Cristo
e de sua cumpanhia,
garrava logo na viola,
prá chorá sua sôdade
e a sua malincunía!
Entonce logo os apóstro,
Assombrando o istruvío,
Cada um seu pé de verso
Cantava no desafío
A Mãe de Cristo chorava
e as agua que derramava
da fonte do coração,
caia nas corda santa
da viola de São João!
Pru via disto é que o pinho,
instrumento sem rivá,
quando se põe-se chorando,
se põe-se a gente a chorá".
Foi aí, nesse festêro,
que vi o Chico Sambêro,
um sambadô sem sigundo,
mas porêm feio ,tão feio,
que toda gente dizia
que foi o hôme mais feio
que Deus butou neste mundo!
Tinha cara de preguiça,
cabeça de mono véio,
e pescoço de aribú!
A boca, quando se ria,
taquarmente parecia
a boca de um cangurú!
Tinha as oreias de porco
e os dentes de caitetú!
Tinha barriga de sapo,
e o nariz, impipocado,
figurava um genipapo!
Os braços era taliquá
dois braços sirigaitado
d' um veio tamanduá!
Os óios - dois berimbau!
As pernas finas alembrava
as pernas d' um pica pau!
O queixo de capivara
tinha um bigode pru riba,
que quase tapava a cara!
O cabelo surupinho
era, sem tirá nem pô,
cabelo de porco espinho!
Im conclusão, prá findá,
tinha os dedos de gambá,
os hombros redondo e chato
e os pé que nem pé de pato!
Inda mais prá cumpletá
aquela xeringamança
e feiúra de pagóde,
o hôme quando se ria,
era um cavalo rinchando,
e quando táva suando,
tinha um ôroma de bóde.
Apois bem. Esse raboeza,
que era prú todas as bocas
chamado : Chico Beleza;
esse horríve lobizome,
que era mais feio que a fome,
mais feio que o Demo inté
quando as pernas sacudia,
sambando nargum banzé
enfeitiçando as viola,
apaixonando as muié,
trazia tôda as cabôca,
cumo um capaxo, dibaxo,
das duas sóla do pé!!!
(Catulo da Paixão Cearense, 1863-1946, Brasil
in, "Meu Sertão", Livraria Castilho, RJ, 1920)