terça-feira, janeiro 04, 2005

Está o lascivo e doce passarinho

Está o lascivo e doce passarinho
Com o biquinho as penas ordenando,
O verso sem medidas, alegre e brando,
Expedindo no rústico raminho.

O cruel caçador, que do caminho
Se vem calado e manso desviando,
Na pronta vista a seta endireitando,
Lhe dá no estígio lago eterno ninho.

Desta arte o coração, que livre andava
(Posto que já de longe destinado),
Onde menos temia, foi ferido.

Porque o Frecheiro cego me esperava,
Para que me tomasse descuidado,
Em vossos claros olhos escondido.

(Sonetos
Luís de Camões, 1524-1580, Portugal)