Ó meu amor minha raiva
meu sol posto a rubro
numa praça
minha voragem meu barco
minha vingança de mar
onde me perco e me mato
Ó suicídio Ó silêncio
Ó beber pelos teus braços
respirar a tua boca
precipício que desato
Ó corpo que sei ser meu
mas que me foge
e não toco
que voragem de dizer
que prazer que não invoco
de te pensar e morrer
de só te ter pouco a pouco
Ó ódio de bem te querer
Ó ternura de ser tua
Ó vontade de correr
contigo no meio da rua
Ó meu amor - desdizer
Ó meu crime de mentira
viagem - mito - prazer
meu interior de colina
Que grito mais rasgado se domina
que medo transformado numa espada
que casa mais secreta e mais vazia
que água mais domada e mais amarga
Minha ferida - consciência
minha loucura encontrada
como arma de gatilho
pronta a me ser disparada
Ó alegria Ó veneno
Ó ódio de me seres tudo
verdade de eu nada ser
na construção do teu mundo
Que fogo inquieto não
iludo
que certeza encontrada
não pergunto
que fuga não domino
e porque luto
que dor não domino
e que desfruto
Ó noite não somente
e também dia
Ó rio não somente
e também corpo
Ó febre não somente meu limite
mas minha invenção
e meu desgosto
Minha evasão - meu país
meu habitar muito lento
Ó meu amor meu invento
meu futuro a destruir
em negação do seu tempo
(Maria Teresa Horta, n 1937, Portugal
in "Minha Senhora de Mim", 1971)