Torres de Ponta Delgada,
Araucárias da Horta, muros de Angra,
Nuvens, verdes profundos,
Campos de Março à lua:
Uma espada no mar, afarolada, sangra,
Ponta Delgada é tua.
Mas quem te deu assim pronome a estas paragens?
Quem separa estas ilhas?
Quem nos tira as viagens,
Os cais, as vacas, as filhas?
Placidez açoriana
Nos teus olhos de china,
Argolas de cigana: Passam-lhes cabos os baleeiros:
Um pouco de amor a mais... e a borda guina!
- Orça! - diz o gajeiro.
E eu sem sal nos meus poemas!
Vais à cozinha? Traz-me caldo.
Pouco é o dinheiro: Vende os diademas.
Empunho açores de fogo, armo sotis às arvelas,
Que adriça picarota ardeu no teu cabelo?
Partiram todas as janelas,
Faço greve de zelo:
Nas palavras poupadas,
Nos amores escondidos,
2S Na graça do que é teu,
Mãos dadas que Deus nos deu.
Fuma, se queres!
Na cinza parda o vento verde esconde as bombas
Da independência.
Há sombra em todas as lombas,
Espírito Santo na violência.
À lâmpada me esperes.
Deves? o quê e a quem?
Um monte nos chega, a terra nos tem,
E a liberdade o que seria
Sem essas mãos de lança
E esse ar de Santa Maria
Que tens, de barro, desde criança?
Olha a chuva nas couves,
Foge da erva molhada.
Um tiro. Não ouves?
Contigo ao pé, não foi nada.
É o povo que finge,
O avião que passou:
Muda como uma esfinge
Ficaste alerta às ilhas do perdão
E a noite me acalentou.
Que geotérmico,
À bomba auricular,
É o teu coração,
Pois nunca rebentou de tanto amar,
Como a caldeira, de cachão.
(Vitorino Nemésio, 1901-1978, Portugal
in "Caderno de Caligraphia e outros poemas a Marga"
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2003)