Ora, meu chapa, te esguia...
tu vives sempre implicando
com meu modo de viver.
Sou prosa, sei que sou prosa,
pois nada devo a ninguém
e por isso tu me acusas
de convencida e orgulhosa.
Se acaso escondo o meu jogo
de alguma amiga ou parenta
que quer dinheiro emprestado
tu vens logo xeretando
e chamar-me de avarenta
Se desejo ter o trato
que tem a nossa vizinha
mais feia que um chimpanzé
mas, granfa e sempre cheirosa,
e fico olhando a perua
do buraco da janela,
o meu humor envenenas
como se eu fosse invejosa.
Se a cozinheira me chama na hora agá da novela,
no momento em que o bacana
está cantando a boazuda
e eu raspo uma espinafrada
na chatona de galocha,
tu bancas o imaculado
de mãos postas: queridinha,
a ira é grande pecado!
De manhã, se acho bacana
ficar na cama um pouquinho
enquanto tomas café,
vens com a cara pendurada,
igual a um velho gagá,
entre os dentes resmungando:
preguiçosa, preguiçosa...
Quando vou ao restaurante,
só porque olho o cardápio
e prefiro um vatapá
com castanha e amendoim,
uma pizza, uma fritada,
um macarrão com almôndegas,
um arroz, uma salada
com creme de leite e vinho,
um pudim de chocolate
e por cima um cafezinho,
me olhas com olhar tão terno,
mas lá bem dentro de ti
tua voz grita: gulosa
vai comer assim no inferno.
Tu me chamas fogueteira,
sapeca, luxurienta,
sem motivo, à-toa, à-toa,
porque já de longa data
tu pifaste, meu querido,
e eu prossigo, e muito boa.
És anjinho e eu carrego
os pecados de satã,
mas não te darei pelota.
Para mim só é pecado
ser bucho, ser idiota,
é querer comprar um teco
e não ver na bolsa a nota,
é guardar grande desejo
de chapoletar alguém
e em vez disso dar-lhe um beijo,
é ter um bom apetite
e só comer vegetais,
é vontade de mandar
todo dia uma brasinha
e ficar de olhinhos baixos
com ares de pomba-rola
num altar de uma santinha.
E, que o bom Deus me perdoe
se estou dizendo heresia,
pecado é ficar zanzando
pela vida dando murros,
é dormir noites inteiras
sem os prelúdios do amor,
é trabalhar no pesado
suando tal qual os burros.
Se tua achas que ao meu lado
estás, por teres pecado
numa outra encarnação,
cumprindo uma triste sina,
te manca, meu bobalhão,
dá meu desquite e vai ver
tua avó lá noutra esquina.
(Alda Pereira Pinto, ?, Brasil
in "Pedra viva", Editora Pongetti, 1972 - RJ)