segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Monangamba

Naquela roça grande não tem chuva
é o suor do meu rosto que rega as plantações:

Naquela roça grande tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue feitas seiva.

O café vai ser torrado
pisado, torturado,
vai ficar negro, negro da cor do contratado.

Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:


Quem se levanta cedo? quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinqüenta angolares
"porrada se refilares"?

Quem?

Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer
- Quem?

Quem dá dinheiro para o patrão comprar
maquinas, carros, senhoras
e cabeças de pretos para os motores?

Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande - ter dinheiro?
- Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:
- "Monangambééé..."

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo, maruvo
e esquecer diluído nas minhas bebedeiras

- "Monangambééé..."

(António Jacinto, 1924-1991, Angola
in "Poemas", Casa dos Estudantes do Império
1961, Lisboa