A menina da roça
está no terreiro
cosendo a toalhinha
pró seu enxoval...
- «Que céu tão lindo!,
e o encanto da mata!...
Ai, tanta beleza
no cafezal...»
A menina da roça terá poesia
terá poesia nos olhos de mel?
A menina da roça
chega à janela
e na estrada branca
a vista alonga...
- «É o carro a vir?»
Não... é o bater compassado
do aço de enxadas
dos negros na tonga...
A menina da roça tem é um namoro
tem um namoro com um motorista
A menina da roça
veio à varanda
e os olhos erra
no verde à toa
- «Está ele a chegar?!»
Ah... são negros pilando
dendém para azeite
na grande canoa
(Prucutum, lá do telheiro,
vai chamar o meu amor)
A menina da roça
acorda à noite
ouviu um barulho
na escuridão
- «O carro chegou!...»
Oh... é o pulsar apressado
do seu coração
(Por que bates tão depressa, coração alucinado?
coração alucinado, espera que o dia amanheça)
- «Já viu a minina?...»
«Hem... tem cor mareia
do mburututu...»
- «E não come nem nada...»
- «E os olhos de mel
tão-se afundar
num lago azul
que faz sonhar...»
Conversam as negras
à boca apertada
(Minha dor, ninguém a saiba -
não há peito em que ela caiba)
A menina da roça
escuta dorida
a triste canção
que vem do rio.
Que vem do rio? - Que vem do peito:
baixinho, lá dentro,
chora de amor
o coração.
Menina da roça - águas do rio
saudades da fonte... desejos de amar.
(Viriato da Cruz, 1928-1973, Angola
in "Antologia Temática de Poesia Africana 1
na noite grávida de punhais"
de Mário de Andrade
Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1975)