quarta-feira, agosto 10, 2005

Mamãe

Mamãe-Terra,
venho rezar uma oração ao pé de ti.
Teu filho vem dirigir suas súplicas a Deus Nossenhor
por ele
por ti
pelos outros teus filhos - espalhados
na superfície cinzenta do teu ventre mártir,
Mamãe-Terra.

Mamãezinha,
dorme, dorme,
mas, pela Virgem Nossa Senhora,
quando te acordares
não te zangues comigo
e com os teus meninos
que se alimentam da ternura das tuas entranhas.

Mamãezinha,
eu queria dizer minha oração
mas não posso;
minha oração adormece
nos meus olhos, que choram a tua dor
de nos quereres alimentar
e não poderes.

Mamãe-Terra,
disseram-me que tu morreste
e foste sepultada numa mortalha de chuva.
O que eu chorei !

Sinto sempre tão presente no meu coração
o teu gesto de te levantares
buscando o pão para as nossas bocas de criança
e nos dirigires a consolança das tuas palavras
sempre animadoras...

Eu procurei o teu túmulo
e não o encontrei.
E depois,
na minha dor de filho angustiado,
me disseram que te haviam sepultado
numa migalha de terra
no meio do mar.

Embarquei num veleiro
e fui navegando, navegando...

Não morreste, não, Mamãezinha?
Estás apenas adormecida
para amanhã te levantares.
Amanhã, quando saíres,
eu pegarei o balaio
e irei atrás de ti,
e tu sorrirás para todo o povo
que vier pedir-te a bênção.
Tu nos deitarás a bênção.
E eu me alimentarei do teu imenso carinho...

Mamãezinha, afasta-te um bocadinho
e deixa o teu filho adormecer ao pé de ti...

(Osvaldo Alcântara, 1907-1990, Cabo Verde
in "Antologia Temática de Poesia Africana 1
na noite grávida de punhais"
de Mário de Andrade
Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1975)