Quando a mulher
se transformou cabra
marés anuíram
ao ciclo recente
das águas
ah
as bombas
desceram em paraquedas
antes dos homens
Esta é a revolta
a metamorfose
onde
equinócios mecânicos
abortam os filhos
Cabra só cabra
espeta
nas pernas dos pagens
os cornos alucinantes
como para ergueres dos mortos
a necessidade da vida
antes
A mulher se transformou cabra
ritual de emigração
em resposta à raiz
constante das árvores
ao grande silêncio
empastado nas letras
de imprensa
Foi quando a mulher
se fez cabra
no compasso de fúria
contra a batuta
dos chefes de orquestra
que escorrem notas
dos gritos da música
Fez-se cabra
desatenta de origens
cabra com fardo de cio
no peso das tetas
cabra bem cabra
adoçando a fome
na flor dos cardos
(Quando a cabra
voltar mulher -
- ressurreição)
(Luiza Neto Jorge, 1939-1989, Portugal
in "Poesia"
organização e prefácio de Fernando Cabral Martins
Assírio & Alvim, Lisboa, 2001)