E entretanto acabou-se o whisky
Mas abri uma garrafa de vinho
de cor branca
Enchi um copo
e meti açúcar
para fingir mais doce
o azedar do gosto.
Verifiquei cigarros:
o maço estava cheio
e o meu isqueiro fiel, de chama certa.
E espreitei as horas da janela
desta varanda fechada,
a que pomposamente
eu chamo o meu quarto de trabalho
e de poesia.
(E que me importam as horas
de horas ser
se todas são iguais
e tão vazias)
Tudo ficou a postos:
vinho
tabaco
insónia
e uma vela acesa
a dominar o escuro
Olhei à minha volta:
vi coisas (quase móveis)
papéis
fotografias
rascunhos de poesia.
E um sofá coxo
que eu encontrei no lixo.
E o silêncio a colorir a casa.
E fui quase feliz com tudo isto
de tudo ser ausência
c estar sozinha
na opção da escolha
de vida sem partilha.
Poder mandar para o chão
as calças do pijama que não visto.
(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in "Minha Memória de Ti", 1992)