domingo, junho 26, 2005

En lo alto del bosque está mi eremitório

En lo alto del bosque está mi eremitorio.
Llegaste cuando el cielo de otoño auguraba nieve.
Un camino perdido te conducirá a mí.
El invierno nevó fuera mientras dentro
calentaba el gozoso verano.
Quedaste prisionera.
La nieve borró los caminos.
No sabrías regresar.
Te tendré a mi lado mientras el invierno reine.
Sé que te marcharás en la primavera,
cuando el deshielo abra de nuevo las veredas.
Pero tengo la esperanza de que no te veré marchar
Soy ya muy viejo,
y moriré antes de que puedas cruzar el umbral.
Me cerrarás los ojos con tus suaves manos.
Y cuando el sol endurezca la tierra,
te irás sobre tus pies ligeros como las horas.
Pero yo no te veré marchar,
durmiendo para siempre con los ojos cerrados,
soñando que aún estás, que estas siempre
cerca de mí, en lo alto del bosque,
en mi eremitorio, mientras fuera
cae, día tras día, año tras año,
vida tras vida, eternamente, la nieve,
que borró los caminos y te impide partir.

(Ricardo Carballo Calero, 1910-1990, Espanha
in "Venusberg")

domingo, junho 19, 2005

Marés vivas

Na praia do teu corpo
eu sou maré cheia

Em ondas de medo
rebento-me azul

e bebo-te areia.

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in "Amor no Feminino", 1997)

(A)normalidade

Já disse
e reafirmo
que não sou normal.

Como
durmo
bebo

Faço amor
faço amigos
e poemas

Faço dinheiro no cmprego

Mas nunca serei normal.

Falta-me um estilo de vida
a condizer com o estatuto
de uma pessoa integrada
(e muito bcm comportada)
na mentira social

Falta-me ser medíocre

Já disse
Não sou normal.

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in "Em nome de nada", 1996)

Em madrugada (talvez solidão)

E entretanto acabou-se o whisky

Mas abri uma garrafa de vinho
de cor branca

Enchi um copo
e meti açúcar
para fingir mais doce
o azedar do gosto.

Verifiquei cigarros:
o maço estava cheio
e o meu isqueiro fiel, de chama certa.

E espreitei as horas da janela
desta varanda fechada,
a que pomposamente
eu chamo o meu quarto de trabalho
e de poesia.

(E que me importam as horas
de horas ser
se todas são iguais
e tão vazias)

Tudo ficou a postos:

vinho
tabaco
insónia

e uma vela acesa
a dominar o escuro

Olhei à minha volta:
vi coisas (quase móveis)
papéis
fotografias
rascunhos de poesia.
E um sofá coxo
que eu encontrei no lixo.

E o silêncio a colorir a casa.

E fui quase feliz com tudo isto
de tudo ser ausência
c estar sozinha

na opção da escolha
de vida sem partilha.

Poder mandar para o chão
as calças do pijama que não visto.

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in "Minha Memória de Ti", 1992)

A outra

A outra
aquela
a tal

que desdobrou de mim a tua forma

que te tomou diferente
e tão igual
à gente informe
de todas as pessoas que eu conheço.

E que te fez vulgar.

Que te respira o ar
e se passeia impune no teu corpo,

não é minha inimiga
nem rival

é apenas e só
um peso morto.

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in "Minha Memória de Ti", 1992)

Sabedoria

O Amor é a arte
da ciência.

Erotismo.
Precisão.

E quem não tiver disso consciência
a melhor solução é ir às putas
ou ficar em casa a ler o Sartre.

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in "Tempo de Passagem", 1991)

Tenho a saúde doente

Tenho a saúde doente.

Tenho a barriga nos ombros
e a cabeça no ventre.

Tenho os pulmões nos ouvidos
e o coração está na boca.

Penso com os pés
com as mãos

e no meio da confusão
ando de pernas para o ar.

Tenho a saúde doente

por ser poeta
e ser louca.

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in "Tempo de Passagem, 1991)

Se tu viesses agora

Se tu viesses agora,

Se entrasses àquela porta
e te viesses sentar
mesmo defronte de mim
nesta cadeira vazia
ocupada de silêncio,

E me dissesses bom dia
boa tarde
ou boa noite
(qualquer coisa aconchegada
a anunciar o regresso),

e me sorrisses depois
num compromisso ternura,

Se o gesto da tua mão
recaísse no meu ombro
a atenuar a distância
entre mim e a tua ausência,

Se me desses a entender
que o erro das nossas vidas
não foi acto consumado
e que nada chega ao fim
sem que seja ultrapassado
pelo querer da decisão,

Se tudo isto acontecesse,

Se por milagre
ou loucura
eu agarrasse a lonjuga
e te fizesse mais perto,

com certeza que morria
ou renascia contigo
nesse preciso momento.

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in ""Tempo de Passagem", 1991)

Prefácio

Tu não sabes quem eu sou.

E a vida é muito breve
para te contar do regresso.

Sou o princípio do nada
e sou o fim do começo.

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in ""Tempo de Passagem", 1991)

No dia de amanhã

No dia de amanhã eu estarei acordada à minha espera.

NÃO QUERO QUE MAIS NINGUÉM ME ACORDE
SENÃO EU

Vou receber-me condignamente com todas as honras de um hóspede ilustre

Tomo um banho ou tomo um duche (não sei bem)
e ponho aquele vestido cor de luto eroticamente triste

À mesa ficarei sentada à minha direita (em sinal de respeito e educação) Vou falar sozinha de coisas que não existem Vou ter um sorriso social Hei-de falar do tempo do teatro do ballet da moda de Paris ou do último modelo do Toyota Vou ser cretina e idiota mas vou receber condignamente o meu hóspede ilustre - EU

No dia de amanhã eu estarei acordada à minha espera

e

NÃO QUERO QUE MAIS NINGUÉM ME ACORDE
SENÃO EU

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in "Amor Geométrico", 1979)

Este amor nasceu do fim

Este amor nasceu do fim

Guardámos naftalina
a imunizar a paixão

Tu e eu
Ciprestes
Nossos corpos cemitérios
inventaram dois jardins

E pintámos de amarelo
um calor a fingir sol

Este amor nasceu do fim

Este amor nasceu doente

Este amor é consciente
é metódico
é razão
é equação que dá certa

Sabemos tudo de cor
O nome exacto das coisas
mas não temos descoberta

Este amor nasceu doente
Este amor nasceu do fim

(amor
amor
MEU AMOR)

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in "Amor Geométrico", 1979)

sexta-feira, junho 17, 2005

Cançoneta

Não me importa
O que se saiba...
- Só me importa
O que te digo:

Já andei de braço dado,
Em braços desconhecidos,
Só para ter a ilusão
Que caminhava a teu lado
De braço dado contigo...

(Manuela Amaral, 1934-1995, Portugal
in "Hino Proibido", 1967)