Quando te vejo à noitinha
Nessa cadeira sentada,
Xaile cruzado no peito,
Na cinta a roca enfeitada.
Os olhos postos na estriga,
Volvendo o fuso nos dedos,
Os lábios contando ao fio
Da tua boca segredos.
Eu digo, sem que tu oiças,
Pondo os olhos na tua roca:
Se eu um dia fosse estriga,
Beijaria aquela boca!
Que eu nunca te vi fiando
Sem invejar os desvelos
Com que desfias do linho
Os brancos, finos cabelos!
E aquela fita de seda
Com que enleias o fiado,
Irmã do lencinho verde
Que trazes no penteado?
Parece aquilo um abraço
De um amor que é todo nosso,
A trança do teu cabelo
Em volta do meu pescoço!
É por isso que eu murmuro
Vendo a fita que se enreda:
Quem me dera ser a estriga,
E ela a fitinha de seda!
Eu já sei o que sinto,
Se tristeza, se ventura,
Mal que suspendes a roca
Da tua breve cintura!
Penso que fias nos dedos
Os dias da minha vida,
Ao pé de ti sempre curta,
Ao longe sempre comprida!
Pareces-me um ramalhete
Sentada nessa cadeira,
E a fita da tua roca
A silva de uma roseira.
Meu amor, quando acabares
De espiar a tua estriga
E ouvires por alta noite
Soluçar uma cantiga,
Sou eu que estou a lembrar-me
Da tua divina boca,
E penso que em mim são dados
Os beijos que dás na roca!
(José Simões Dias, 1844-1899, Portugal
in "Peninsulares")